O que mudou depois de 15 anos da criação do cadastro positivo?

Costumo dizer que o brasileiro aprendeu tudo o que sabe sobre crédito com o famoso e ainda vivo (mas respirando por aparelhos) carnê. Muito diferente de outros países, onde o crédito tem o objetivo de fazer crescer patrimônio, seja com crédito imobiliário ou hipotecário para ampliar negócios, o crédito no brasil sempre teve sua finalidade diretamente ligada ao consumo.

O brasileiro acostumou-se bem a usar crédito para poder comprar produtos de valor um pouco mais alto, como uma televisão, uma geladeira ou algo do tipo, usando o famoso parcelamento no carnê. Cada folhinha paga e retirada era uma prestação a menos. Assim, o endividamento adquiria um caráter “físico”, ou seja, era visível por conta da quantidade de folhinhas que ainda existiam no carnê.

Conta corrente e cartões de crédito vieram muitos anos depois. Após o Plano Real, o crédito viu a oportunidade de crescer no brasil, e com ela o início do uso dessas novas ferramentas de consumo. Porém, a falta de educação financeira, a cultura e o entendimento do que é ter crédito não vieram no mesmo pacote: faltou ao povo brasileiro anos de aprendizado em educação financeira básica, que deveria ser aprendida já no Ensino Fundamental.

Filho de peixe, peixinho é?

Foi diante desse cenário que percebi o que já disse aqui: o quanto a cultura do crédito é diferente em outros países. Para os que me conhecem bem, sabem que atualmente vivo uma vida dividida entre Brasil e Estados Unidos. Meu filho, por sua vez, já está nos EUA há cerca de um ano e meio, e dele vem um fato interessante: ele está hoje com 18 anos e namora uma brasileira que já tem Greencard e evoluiu para cidadania americana. E o que ela tem com esse status? Ela tem um FICO Score — ou seja, o score que permite que qualquer americano tenha acesso a crédito!

Meu filho, com apenas 18 anos, já tem uma relação estável com a namorada, e me conta sobre cada passo financeiro que tomam. E isso impacta muito o FICO Score. Em função disso, já realizamos algumas operações financeiras, como quando precisamos submeter nosso cachorro a uma cirurgia e fizemos um “buy now, pay later”, algo parecido com um financiamento que temos no Brasil, em que se compra algo ou contrata um serviço e pagamos um valor em prestações.

Outro exemplo ocorreu recentemente, quando ele tirou um novo cartão de crédito da American Express. Ele me explicava: “Pai, o Amex não é como os outros cartões que, quando fazem sua avaliação de crédito, este simples fato de você estar em um processo de análise já reduz o FICO Score. Lembra das passagens, que muitas vezes indicavam um risco para as políticas de crédito brasileiras? No caso do Amex isso não muda o score, o que é vendido inclusive como uma vantagem”.

O fato é que meu filho, um menino de 18 anos, já tem uma visão de crédito totalmente diferente da metade do povo brasileiro. Ele já sabe o que deve ou não deve fazer para que o FICO Score melhore ou não seja impactado.

“Ah, mas é o filho do Tambellini, ele tinha que saber de crédito”, você pode estar pensando.

Bem, não necessariamente. Esse aprendizado sobre o FICO Score foi ele mesmo quem absorveu, sozinho, ao monitorar o score da namorada, buscar explicações e procurar conhecer o movimento. É assim que a maioria dos americanos vivem com crédito.

Mas ok, eu admito que dei um empurrãozinho — logo que ele completou 15 anos eu abri uma conta corrente pra ele. Foi uma C6 Yellow, uma conta para menores, como a de outros bancos bem conhecidos: a NuKids do Nubank, a Inter Kids do Banco Inter, a PicPay Teens do PicPay, a Itaú Kids/iConta Jovem do Itaú, a Poupe Legal/DigiConta Jovem do Bradesco, a Superdigital Kids do Santander, entre muitas outras opções. Nessas contas, além do cartão de débito, já existem opções de investimento, e eu sempre ensinei que a cada R$ 100 recebidos, ele deveria tirar pelo menos R$ 10 para guardar e investir.

Se existe um conselho valioso que eu daria é este: ensine a seu filho que dinheiro não cai do céu e que ele deve ser poupado SEMPRE. O conceito do crédito no brasil ainda depende muito do ensinamento que acontece de pais para filhos, e vem engatinhando em termos de, um dia, vermos a educação financeira como uma matéria obrigatória no Ensino Fundamental.

Outro fato que sempre me empenho para explicar para o meu filho é que, no Brasil, o que ainda pesa é o dado negativo — a famosa negativação. Já tive a experiência de atuar em diagnósticos de cobrança em países da América Latina, e uma das perguntas prontas nesses diagnósticos de cobrança é: “Quando vocês negativam?”. Pergunta pronta para o Brasil, não é mesmo? Afinal, em muitos países não existe a ação isolada da negativação, sendo este apenas um dado a mais no comportamento do indivíduo.

Comportamento que também é positivo

Um fato importante é que estamos evoluindo com o conceito da positivação. Empresas como Assertiva e Klavi já possuem em seus serviços dados que demonstram essa tendência — ou por que não dizer apenas COMPORTAMENTO?

Sim, o comportamento é, sem dúvida, o dado mais importante do indivíduo. A simples ausência de uma restrição não nos diz que o indivíduo tem potencial para o crédito solicitado, e talvez seja por isso que ainda divulgamos que temos mais de R$ 70 milhões de negativados.

Esse é, sem dúvida, um número relevante, mas o que quero reforçar aqui é que existe, nesse aspecto, uma série de questões em relação ao crédito tradicional brasileiro que precisam ser levantadas. Vamos aos fatos:

  1. Não ter restrições não garante que você será um bom pagador.
  2. O crédito no Brasil (limite da conta correte ou do cartão de crédito, por exemplo) passou a ser um complemento de renda.
  3. Conhecer os 4 Cs do Crédito não é opção, e sim uma obrigatoriedade.
  4. A oferta de crédito é acelerada e, muitas vezes, um caminho para o endividamento.

Não há dúvidas de que o crédito vem evoluindo de forma acelerada no brasil. É também um fato que as políticas de crédito professadas pelas empresas vem sendo aperfeiçoadas e evoluindo, com vistas a entender para além do negativo.

Apesar disso, converse com um analista de crédito e pergunte se ele verifica dados comportamentais — como, por exemplo, o salário recebido na conta corrente e as despesas (que podem ser hoje visualizadas pelo open finance). Diga-me, de verdade, se ele ainda não vai te perguntar: “Mas e o proponente? Não tem nenhuma restrição?”.

Por mais que o open banking, o open finance e o bureau positivo já sejam uma realidade no Brasil, ainda temos um tempo para que todos (e digo todos, pois não é apenas o cliente que deve entender o crédito, e sim quem concede também) possamos superar o modelo de análise focado apenas no dado negativo e olhar para um score de maneira completa, que contemple aspectos negativos e positivos, como existe, por exemplo, no Estados Unidos. Lá, o FICO Score é quem diz quem você é, quanto você vai pagar de juros e se você terá ou não o seu crédito aprovado.

O cadastro positivo surgiu pela Lei nº 12.414/2011, sancionada em 9 de junho de 2011. O open banking teve sua primeira fase regulatória da implementação iniciada em 1º de fevereiro de 2021, e o open finance teve sua regulamentação publicada em maio de 2020 (Resolução Conjunta nº 1, de 4 de maio de 2020) e implementação iniciada em 2021.

Ou seja: somos crianças em termos de dados positivos!

Particularmente, acredito que somente a partir do uso intensivo dos dados positivos, seja por meio de crédito e também como direcionador para a cobrança, é que o Brasil vai elevar sua relação crédito X PIB, que está estacionada nos 54%. Só assim poderemos alcançar países como Estados Unidos, Japão e Alemanha, por exemplo, onde esta relação ultrapassa os 100%.

Ainda existe muita lição de casa a ser feita, mas os gestores de risco estão evoluindo bem neste caminho — e devem continuar evoluindo ainda mais, rumo a um crédito saudável e sustentável.

Eduardo Tambellini
Eduardo Tambellini
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